Biblioteca do Observatório Céu Austral

 

 

Os meteoritos marcianos

por Paulo Gomes Varella

 

Ao longo das excursões ao continente da Antártida durante as décadas de 1970 e 1980 com a finalidade de se coletar meteoritos, vários deles foram localizados no gelo do imenso continente, alguns com características muito especiais, como é o caso dos designados pelas siglas EETA 79001, ALH 77005 e ALH 84001, associados, posteriormente, a um grupo de meteoritos que os pesquisadores atribuem como tendo origem no planeta Marte.

 

Em 1976, as sondas VIKING I e II pousaram no solo marciano (em 20 de julho e 03 de setembro, respectivamente) e analisaram a constituição química das rochas da região da área do pouso. Com isso, desde aquelas datas, já possuíamos o conhecimento básico sobre a constituição de parte da superfície marciana, principalmente os teores de ferro e magnésio existente nas rochas, que passaram a ser julgados como característicos de Marte.

 

Esse grupo de meteoritos que acreditamos proceder do planeta vermelho é conhecido pela sigla SNC, indicativa dos tipos de meteoritos presentes no grupo: Shergottitos, Nakhlitos e Chassignitos. Entre eles, os Shergottitos são os mais abundantes (a este grupo pertencem os três meteoritos antárticos citados anteriormente) e apresentam composições semelhantes aos basaltos terrestres (e, portanto, a região fonte do magma que lhes deu origem é similar à do manto superior terrestre). Em relação aos demais meteoritos, os SNC apresentam grandes quantidades de Plagioclásio. São mais jovens, também, do que os meteoritos comuns - suas idades de cristalização oscilam em torno de 1 bilhão de anos e, em alguns casos, avaliadas em 180 milhões de anos, enquanto que a maior parte dos meteoritos mostram idades de 4,56 bilhões de anos.

 

A pouca idade desses meteoritos e o fato de serem semelhantes aos basaltos terrestres implicam em uma origem a partir de um corpo diferenciado quimicamente (estruturado em camadas distintas) e suficientemente grande para apresentar elevadas temperaturas internas e sustentar processos magmáticos semelhantes aos terrestres, o que indica uma provável idade entre 3 e 4 bilhões de anos. A composição química desses meteoritos, principalmente os teores de ferro e magnésio, é muito semelhante aos do solo marciano analisado pelas VIKINGs - esta é uma evidência da sua origem marciana. Tal razão entre os teores de Fe e Mg é julgada característica de Marte.

 

Outra importante evidência é a razão entre as quantidades dos isótopos 18 O e 17 O em relação à do 16 O, tanto nos meteoritos SNC como nas rochas marcianas e terrestres. As razões 18 O/16 O e 17 O/16 O obtidas para as rochas lunares são semelhantes às terrestres e sugerem um padrão admitido como característico da Terra e da Lua. As análises das mesmas razões efetuadas com as rochas marcianas mostram valores distintos, que julgamos, também, serem características de Marte. As análises feitas com os meteoritos SNC mostram clara semelhança com as rochas de Marte, reforçando a idéia de sua origem marciana.

 

Por outro lado, o conteúdo gasoso existente em raras inclusões fluidas descobertas em alguns Shergottitos é similar, também, à composição atmosférica de Marte determinada pelas VIKINGs e pelas missões MARS PATHFINDER e MARS GLOBAL SURVEYOR. Pelo que sabemos, esta constituição química não se repete em nenhum astro do Sistema Solar, sendo, portanto, outra evidência da origem marciana dos meteoritos SNC.

 

Se admitirmos que, de fato, tais meteoritos (os SNC) são de Marte, resta-nos esclarecer como estes corpos vieram cair na superfície da Terra. Atualmente, acredita-se que tais materiais foram literalmente arrancados da superfície marciana por ocasião de um grande impacto produzido por um corpo asteroidal com sua superfície. Os fragmentos dessa colisão foram arremessados em todas as direções e como a gravidade de Marte não é muito intensa, alguns deles acabaram abandonando o planeta e permaneceram, por algum tempo, vagando pelo espaço. Como o astro de maior massa no Sistema Solar é o Sol, o astro central, imagina-se que os fragmentos encaminharam-se em sua direção, atraídos por sua imensa força gravitacional. Mas, em seus trajetos rumo às proximidades do Sol, acabaram por cruzar a órbita de nosso planeta que, como sabemos, é interna à de Marte.

 

Assim, alguns deles, ao passarem nas proximidades da Terra, acabaram atraídos por ela e se precipitaram em sua superfície, constituindo-se em uma espécie de livro cósmico com uma fascinante história sobre o ambiente superficial de Marte, esperando uma leitura crítica e interpretação científica adequada.

 

 

 

 

 

o meteorito ALH84001 encontrado na Antártida em 1984

 

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